Macri
busca respaldo politico para conter crise na Argentina
Publicado
em 12/05/2018 - 20:21
Por Monica
Yanakiew - Repórter da Agência Brasil Buenos Aires
O indiano Anoop Singh ficou
surpreso com o nível de informação dos argentinos, durante sua visita a Buenos
Aires, em 2002. Na saída do hotel, ouviu o comentário da faxineira que estava
limpando a recepção: “La vem o pessoal do Fundo”. Naquela época, ele chefiava a
missão do Fundo Monetário Internacional (FMI), que mais uma vez vinha resgatar
a Argentina de uma crise – mas nunca imaginou que a instituição financeira, com
sede em Washington, fosse tão conhecida.
“Na Argentina, termos como FMI e
crédito stand-by fazem parte do jargão popular e são sinônimos de ajuste e
crise”, explicou à Agência Brasil o analista politico Rosendo Fraga. “O
presidente Mauricio Macri pagou um preço politico por ter recorrido, esta
semana, ao Fundo – uma organização que é rejeitada pela maior parte dos
argentinos e inclusive por dois de cada três simpatizantes da coalização
governista de centro-direita, Cambiemos. No inconsciente coletivo, FMI e uma má
palavra”.
Para
conter crise, Argentina recorre ao FMI (Agência Brasil/Arquivo)
Desde terça-feira (8), quando
anunciou que iniciaria esta semana negociações para um acordo com o FMI, Macri
tem buscando respaldo politico interno e externo. Na sexta-feira (11), o
presidente da China, Xi Jinping, não só manifestou seu “firme apoio” aos
esforços do governo argentino, por manter a estabilidade econômica, como também
ofereceu ajudar, se necessário. No comunicado, o governo chinês elogia Macri
por ter adotado medidas “oportunas e enérgicas” para lidar com os “fatores
externos” (aumentos das taxas de juros nos Estados Unidos e do preço do barril
de petróleo no mercado internacional), que impactaram vários países emergentes,
além da Argentina.
O apoio publico de Xi Jinping
somou-se a outros do Departamento do Tesouro norte-americano e dos governos do
Brasil, do Chile, da Espanha e do Japão – um sinal de que a diplomacia
argentina entrou em ação para reforçar o discurso de Macri, de que a Argentina
tomou a melhor medida preventiva, para amortecer os efeitos negativos dos
“fatores externos”, que escapam a seu controle. Mas os argentinos estão mais
preocupados em como isso vai afetar seu próprio bolso.
“Por experiência própria, só sei
que cada vez que o dólar aumenta, os preços sobem”, diz o porteiro Carlos
Dominguez, de 53 anos. “O FMI, os Estados Unidos e a China podem dizer o que
quiserem, o certo é que o dólar continua subindo. E para mim, é isso que
importa”. Como milhares de outros argentinos, cada vez que pode, ele poupa em
dólares, que guarda em esconderijos, dentro de casa e fora do sistema
financeiro. É o que os argentinos chamam de Colchon Bank, ou banco do colchão.
Colchon Bank
Em dezembro de 2015, quando Macri
tomou posse, os argentinos tinham US$ 195 bilhões fora do sistema financeiro,
guardados em cofres (nos bancos e em casa), mas também nos lugares mais
inusitados (dentro de caixas de sapatos, aquecedores ou literalmente enterrados
em vasos de plantas ou no quintal). O valor equivale a três vezes as reservas
internacionais do Banco Central da Argentina, que esta semana totalizavam US$
57 bilhões.
A intenção do atual governo era
atrair esses capitais para financiar um programa de obras públicas, que
permitisse a retomada do crescimento da economia, depois de anos de estagnação.
Por isso Macri eliminou os controles cambiais e impostos às exportações de
produtos da agroindústria, além de atualizar os preços das tarifas dos serviços
públicos, congeladas e subsidiadas desde a crise de 2001.
“Macri herdou uma situação
complicada: tarifas defasadas, que desestimulavam o crescimento; um nível de
reservas baixo; uma inflação anual de dois dígitos; e um país sem acesso a
créditos estrangeiros, desde a moratória de 2001, que não tinha terminado de ser
renegociada”, disse, em entrevista à Agência Brasil, o economista Gaston
Rossi.
“Ele tinha que consertar esses
desequilíbrios, mas não podia fazer tudo de uma só vez. Por isso optou pelo
gradualismo”.
Sem maioria no Congresso, Macri
conseguiu aprovar a reforma da Previdência a duras penas. A votação, em
dezembro do ano passado, teve que ser adiada depois que confrontos entre
manifestantes e a polícia resultaram em dezenas de feridos e detidos. O governo
também tem uma proposta de reforma trabalhista, que ainda não começou a ser
discutida. Macri enfrenta a oposição dos sindicatos, que historicamente estão
ligados ao Partido Justicialista (PJ) ou Peronista, hoje dividido em diversas
facções. Entre elas, a União Cidadã da senadora e ex-presidente Cristina Kirchner
(2007-2015), viúva do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007).
Segundo Rossi, espera-se que o
FMI exija o estabelecimento de determinadas metas econômicas, como a redução do
déficit fiscal, que atualmente representa 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e
que o governo espera cortar pela metade. “Mas dentro de um contexto de mudança
de cenário externo, a Argentina se viu forçada a buscar assistência do Fundo,
para tentar acalmar os mercados. Agora o fundamental é mudar o ânimo dos
investidores”, disse o economista.
Resistência
O problema, segundo Rosendo
Fraga, vai ser mudar os ânimos dos próprios argentinos. “Os eleitores
entenderam que Macri herdou uma situação difícil, mas politicamente esse
argumento tem data de vencimento. Só vale durante os primeiros dois anos de
mandato”, explica o analista politico. “Agora os argentinos estão cobrando
resultados do presidente, que prometeu e não conseguiu reduzir a inflação”.
As centrais sindicais e
organizações sociais de esquerda marcharam até o Congresso na quinta-feira
(10), em apoio a um projeto de lei da oposição que limita os aumentos das
tarifas públicas. O secretário-geral da Central de Trabalhadores da Argentina
(CTA), Hugo Yasky, prometeu convocar uma greve geral se o presidente vetar a
lei, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e ainda será submetida ao
Senado. Macri já disse que vai vetar porque, se for implementada, criará um
rombo no orçamento.
Os sindicatos já convocaram para
o dia 28 de maio um “plano de luta”, com mobilizações até o fim do mês, para
resistir a qualquer ajuste. O líder da Associação de Trabalhadores do Estado
(ATE), Hugo Godoy, reclamou aumentos salariais equivalentes a inflação, que
supera os 20% anuais.
Carlos Ernesto Calabrese, de 43
anos, trabalha numa empresa de segurança há cinco anos. “Comecei ganhando 6 mil
pesos e o dinheiro alcançava ate o fim do mês”, disse, acrescentando, “hoje
ganho 15 mil pesos, quase três vezes mais, e não alcança. Os preços aumentam
muito mais do que o salário”.
Segurança Carlos Calabrese reclama dos aumentos
constantes dos produtos (Monica Yanakiew/Agência Brasil)
Verdes
Na sexta-feira (11), apesar do
apoio externo político e financeiro, o dólar bateu novo recorde. Superou os 24
pesos, apesar da intervenção do Banco Central. Os canais de televisão e as
emissoras de rádio acompanhavam passo a passo o comportamento da moeda
norte-americana, especialmente porque, na próxima terça-feira (15), a Argentina
terá que fazer frente a um vencimento de 600 bilhões de pesos em Letras do
Banco Central (Lebac).
A disparada do dólar, que começou
na semana passada, foi acompanhada pelo aumento da alface, do espinafre e da
rúcula, cujos preços duplicaram. “Parece que tudo que é verde aqui está
aumentando”, queixou-se Cristian Ortiz, comerciante de frutas e verduras. “Até
a semana passada, eu vendia dois abacates por 50 pesos. Hoje somente um vale 55
pesos”, disse.
Comércio
de frutas e verduras, em Buenos Aires (Monica Yanakew/Agência Brasil)
Os aumentos dos produtos “verdes”
foram atribuídos, em parte, à forte chuva. Mas Consumidores Libres, uma
organização de defesa dos consumidores, liderada por Hector Polino, registrou
aumentos nos preços de farinhas e azeites nos supermercados. “O problema é que
quando o dólar sobe, os empresários repassam os aumentos aos produtos”, diz
Polino.
Brasil
Na Argentina, a imprensa comparou
o impacto do aumento da taxa de juros norte-americana e do dólar em vários
países emergentes, especialmente o Brasil. Mas todos concordaram que a situação
das duas economias é muito diferente. Além de ser maior, a brasileira tem um
índice inflacionário bem inferior ao argentino e depende muito de financiamento
estrangeiro.
Edição: Fernando
Fraga
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