Onda de
protestos no Equador se transforma em tsunami
Acirramento da tensão social teve
origem na eliminação dos subsídios aos combustíveis. Em várias cidades, polícia
e manifestantes protagonizam confrontos violentos. Presidente culpa antecessor.
Manifestantes vêm de várias camadas
da sociedade equatoriana
"A
situação atual" foi a razão que o presidente do Equador, Lenín Moreno, deu
para o cancelamento de sua viagem à Alemanha, agendada para a segunda semana de
outubro. Entre outros compromissos, ele planejava se encontrar com seu homólogo
alemão, Frank-Walter Steinmeier.
Moreno
quer "ficar de olho" no Equador, disse seu ministro do Exterior, José
Valencia. Essa branda descrição do cancelamento, no entanto, contrasta com a
situação tensa no país sul-americano, que deixa o presidente mais do que
ocupado: protestos, barricadas, confrontos com forças de segurança e saques.
Lenín
Moreno acusa o ex-presidente Rafael Correa de tentar um golpe de Estado no
país: o político que presidiu o país entre 2007 e 2017 estaria por trás das
tentativas de desestabilizar seu governo.
Na
noite desta segunda-feira (07/10), diante da chegada de milhares de
manifestantes à capital e do recrudescimento dos protestos, o presidente
equatoriano ordenou que o palácio presidencial fosse evacuado e transferiu a
sede do governo de Quito para Guayaquil. O balanço dos protestos no país já é
de um morto, 14 feridos e mais de 470 detidos, segundo a ministra do Interior,
Paula Romo. A maioria das detenções ocorreu por vandalismo.
Início
dos protestos
Em
1º de outubro, o governo em Quito anunciou o fim dos subsídios de décadas aos
combustíveis, o que levou a um aumento drástico dos preços da gasolina e do
diesel. As transportadoras paralisaram rodovias em todo o país na quinta e
sexta-feira. Em várias cidades, polícia e manifestantes protagonizaram confrontos
violentos.
Na
capital os manifestantes cercaram a sede do governo e bloquearam ruas. Diante
dessa situação, Moreno decretou o estado de exceção, a vigorar por 30 dias.
"Os protestos vêm de várias partes da sociedade, não apenas do setor de
transportes, como informam muitos meios de comunicação nacionais", disse à
DW Ximena Zapata, especialista em Equador do Instituto Alemão de Estudos
Globais e Regionais (Giga), com sede em Hamburgo.
"Entre
os que protestam estão donos de transportadoras, mas há também trabalhadores,
organizações indígenas, ativistas ambientais e estudantes. As medidas do
governo suscitam a rejeição de uma ampla camada da população equatoriana",
acrescenta Zapata.
A
eliminação dos subsídios aos combustíveis introduzidos nos anos 1970 faz parte
de um pacote de reformas com o qual Moreno pretende combater a crise econômica.
O governo equatoriano recebeu um empréstimo do Fundo Monetário Internacional
(FMI) no valor de 4,2 bilhões de dólares, sendo uma das condições ele
reduzir os gastos públicos.
Emergência
econômica
O
país se encontra numa profunda crise econômica e o orçamento estatal está no
vermelho. A questão dos subsídios aos combustíveis é central para o saneamento
das finanças públicas – uma bomba política interna que os antecessores de
Moreno à frente do Executivo não ousaram acionar.
O
Equador possuía o terceiro menor preço da gasolina na América Latina. Porém
após a eliminação dos subsídios no valor de cerca de 1,3 bilhão de
dólares, os preços do petróleo e do diesel quase dobraram. Um galão (3,8
litros) de diesel, que custava 1,03 dólar, agora custa 2,30 dólares, enquanto o
galão da gasolina comum passou de 1,85 dólar para 2,40 dólares.
O
governo também anunciou que deixará a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep) em 1º de janeiro de 2020. Portanto não estará mais vinculado à
decisão de reduzir a produção, estipulada pelo órgão. Mais exportações de
petróleo podem trazer mais renda para o país. Pelo menos é esse o plano.
Com
uma participação de 0,7% das reservas de petróleo entre os países da Opep, o
Equador é um dos menores membros e único latino-americano na organização, além
da Venezuela. Apesar de seu papel secundário no cenário global, a exportação do
ouro negro desempenha um papel crucial na economia do país andino: é
responsável por mais de um terço das exportações nacionais.
Mas
as receitas estatais das exportações de petróleo não aumentam do nada, porque
também dependem da capacidade da própria indústria. O aumento do consumo
doméstico nos últimos anos reduziu a quantidade disponível para exportação.
O
custo dos subsídios, portanto, reduz as receitas potenciais do Estado, e assim
impede o saneamento das finanças de um país altamente endividado. Além disso, o
baixo preço do petróleo no Equador também resulta num mercado de contrabando
para o Peru e a Colômbia.
Queda
desastrosa de popularidade
Presidente do Equador, Lenín Moreno,
decretou estado de exceção
Ximena
Zapata, do Instituto Giga, aponta os custos sociais e políticos de uma política
orientada por critérios econômicos: "O que está acontecendo agora no
Equador faz parte de um ciclo que se repetiu no passado: um boom de petróleo e
matérias-primas, seguido por um boom econômico transitório e política
nacionalista, o endividamento e queda dos preços das commodities, o retorno à
antiga receita do FMI e, com ela, os protestos e revoltas sociais."
A
aprovação do presidente Moreno caiu dos 70% que desfrutava quando foi eleito em
2017 para apenas 30%. Não é coincidência, diz Zapata: "A austeridade
[econômica] de Moreno é impopular. Ela pune os setores mais pobres da população
e privilegia minorias abastadas, especialmente bancos privados e
empresários". Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (Inec) do
Equador, 25% dos equatorianos vivem abaixo da linha de pobreza.
Zapata
diz suspeitar que Moreno ainda esteja subestimando os protestos em seu país:
"A população do Equador já foi vítima dos ajustes estruturais do FMI no
passado. A reação poderia muito bem ser protestos mais maciços, como aqueles
que governos anteriores não puderam evitar. Eu não acredito. que, a esse
respeito, o governo de Moreno seja uma exceção."
Resta
ver se o presidente Moreno levará a sério a intenção de "ficar de
olho" em seu país, ou se até mesmo chegará ao extremo da literalidade: com
apoio chinês, o Equador instalou em todo o seu território um sistema de
vigilância com mais de 4.500 câmeras de vídeo. As imagens são exibidas ao vivo
em 16 centros de controle com cerca de 3 mil funcionários. Um aparato
de segurança perfeito para reagir aos protestos. Fabricado pela Huawei.
______________
A Deutsche Welle é a emissora
internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
Siga-nos
Nenhum comentário:
Postar um comentário