Brasil,
um país em “permanente violação de direitos humanos”
Anistia Internacional divulga
relatório em que alerta sobre o retrocesso brasileiro no âmbito legislativo
Ato em homenagem
aos cinco jovens mortos pela PM no Rio. M.M.
Rio de
Janeiro 23 FEV 2016 -
21:03 BRT
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O relatório “Estado dos Direitos Humanos” de 2015
que a Anistia Internacional vai enviar à presidenta Dilma Rousseff, ministros e governadores tem,
infelizmente, muito em comum com o Brasil do passado. A morte de jovens negros,
as execuções extrajudiciais, os abusos policiais, a falta de transparência e a
vulnerabilidade dos defensores dos direitos humanos em áreas rurais continuam
sendo, e isso há cerca de 30 anos, as maiores preocupações da ONG britânica,
sem que as autoridades tenham se mobilizado de
forma efetiva para mudar o cenário.
“Ao longo dos últimos anos viemos
alertando sobre os mesmos problemas. O Brasil vive em estado permanente de
violação de direitos humanos de uma parcela importante da sua população. E é
uma violação altamente seletiva”, lamenta Atila Roque, diretor executivo da Anistia
Internacional no Brasil. “O país avançou muito na conquista de
direitos, basta pensar nas políticas de redução de pobreza, mas manteve-se um
alto grau de violações em outras esferas”.
A novidade deste ano vem das mãos
de alguns congressistas e senadores que, segundo a organização, têm se esforçado em ameaçar as
conquistas de direitos humanos, alcançadas desde o fim da ditadura
militar. A ONG destaca uma série de propostas de lei desengavetadas no ano
passado e que, se aprovadas, vão significar um “enorme retrocesso no marco
constitucional”, lamenta Roque. Entre elas está a emenda à Constituição que reduz a idade em que
crianças e adolescentes podem ser julgados como adultos (de 18 para 16 anos) ou
a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 que transfere para o Poder
Legislativo a responsabilidade por demarcar terras indígenas.
A organização expressa sua preocupação também diante da proposta de lei, de
autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que dificulta o atendimento de saúde
a mulheres vítimas de abuso sexual, e da aprovação de uma lei antiterrorismo
que possa criminalizar manifestantes.
O número de homicídios no Brasil
–mais de 58.000 por ano, segundo o último relatório do Fórum de Segurança
Pública – continua sendo alarmante, segundo a Anistia. O capítulo dedicado ao
Brasil no relatório critica que o Governo Dilma Rousseff ainda não tenha
implementado o Plano Nacional de Redução de Homicídios, prometido em julho. “O
número absoluto de homicídios é uma calamidade que chama a atenção há muito
tempo não só da Anistia, senão de muitas outras organizações, e a sociedade
continua olhando para outro lado”, afirma Roque. O foco dessa violência, como
demonstram os números da letalidade no Brasil coletados pelo Fórum, continua
sendo o mesmo: jovens e negros das periferias.
“Isso fica ainda mais grave
quando olhamos para o papel que o Estado tem nesse volume
de homicídios. Uma parte grande dessas mortes são causadas pela
polícia em operações formais ou paralelas, em grupos de extermínio ou
milícias”, explica Roque. Alguns casos que saíram à luz em 2015 ilustram bem
essa realidade. A chacina de Osasco (São
Paulo) onde, em apenas uma noite, foram assassinadas 18 pessoas supostamente
por policiais ou a execução de cinco jovens com mais de
100 tiros de fuzil vindos de policiais militares em Costa Barros, um
subúrbio do Rio, foram só algumas delas.
A impunidade costuma ser, segundo
a Anistia, uma constante. Segundo o relatório, “policiais responsáveis por
execuções extrajudiciais desfrutaram de quase total impunidade”. A ONG ilustra
sua conclusão com dados da cidade do Rio de Janeiro e critica a ausência de
informações que permitam calcular o impacto da violência policial no país. “Das
220 investigações sobre homicídios cometidos por policiais abertas em 2011,
houve, até 2015, somente um caso em que um policial foi indiciado. Em abril de
2015, 183 dessas investigações continuavam abertas”, afirma o documento.
A situação de lideranças
indígenas, quilombolas e camponesas que trabalham pelo cumprimento dos direitos
humanos e pela defesa dos recursos naturais nas áreas rurais é um assunto de
destaque para a Anistia. Invisíveis aos grandes meios de comunicação, “os conflitos por terras e recursos
naturais continuaram a provocar dezenas de mortes a cada ano.
Comunidades rurais e seus líderes foram ameaçados e atacados por proprietários
de terras, principalmente no Norte e Nordeste do país”, diz o informe.
A morte de Raimundo Santos Rodrigues,
na cidade de Bom Jardim, no Maranhão, revelou uma rotina de ameaças, ataques e
impunidade longe das grandes urbes. Por muitos anos, Raimundo, que era membro
do Conselho da Reserva Biológica do Gurupi, uma área de proteção ambiental na
floresta amazônica, fez denúncias e campanhas contra a exploração ilegal de
madeira e o desmatamento na Amazônia. Seu nome, segundo a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), estava incluído há bastante tempo em uma lista negra. Apesar de
ele ter denunciado as ameaças que recebia, foi morto a tiros na frente da
esposa, que também foi baleada. Raimundo foi mais um entre os 116 assassinados
em 2014 por denunciar abusos dos latifundiários e a exploração de recursos
naturais, uma cifra que coloca o Brasil, segundo a ONG Global Witness, na
liderança mundial deste tipo de mortes.
As boas notícias de 2015 vêm da
sociedade, segundo a Anistia. “Ao mesmo tempo que temos essa onda conservadora
se empenhando em imprimir um retrocesso na garantia de direitos, temos setores
da sociedade que se levantaram e resistem. Estamos vendo uma crescente
mobilização nas periferias e favelas, principais vítimas das violações de
direitos humanos, vimos mulheres saindo às ruas e lançando campanhas para
reivindicar seus direitos, assim como os professores do Paraná, os alunos de São Paulo e
Goiás...”, lembra Roque.
Os direitos humanos no resto do
mundo
O capítulo do Brasil é apenas um,
em um relatório que contempla a situação dos direitos humanos em 160 países. A crise dos refugiados na Europa e Oriente Médio
é um importante foco das denúncias e cobra da Organização das Nações Unidas
(ONU) medidas mais enérgicas. “O conflito sírio é um exemplo terrível das
catastróficas consequências do fracasso sistêmico da ONU no cumprimento da sua
função fundamental de fazer respeitar os direitos humanos e o direito
internacional e para garantir a prestação de contas”, diz o relatório. Segundo
a organização, mais de 122 Estados exerceram tortura ou maus-tratos, outros 30
obrigaram ilegalmente que pessoas refugiadas retornassem a países onde estavam
em perigo e, em pelo menos 19 países, Governos ou grupos armados cometeram
crimes ou outras violações do Direito Internacional Humanitário, regras que
devem ser cumpridas até durante as guerras para proteger a população civil.
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