Com uma argumentação técnica no
aspecto jurídico e pontual do ponto de vista político, José Eduardo Cardozo
desmonta, na Comissão do Impeachment, o discurso a favor do golpe. Confira a
íntegra da defesa da AGU contra o pedido de impeachment aceito por Eduardo
Cunha
José Eduardo Cardozo na Comissão do Impeachment (divulgação)
O advogado-geral da União, José
Eduardo Cardozo, falou
por quase duas horas nesta tarde de segunda-feira (4)
na Comissão Especial do Impeachment, na primeira parte da apresentação da
defesa da presidenta Dilma Rousseff: a que ele expõe os pontos básicos da
defesa de Dilma, sem poder ser interrompido pelos parlamentares. Num dos
momentos mais impactantes da peça jurídica apresentada por ele, Cardozo
disse que se não houver todos os requisitos básicos apontados como primordiais
pela Constituição o impeachment é, sim, um golpe (leia a íntegra da peça jurídica aqui).
“É a ruptura da Constituição
Federal, a negação de um Estado de direito. Não importa se feito por meio de
canhões e baionetas ou por meio do rasgar da lei. É golpe se ofende o Estado
democrático de direito. É algo que jamais será perdoado em nossa história, será
mal visto internacionalmente”, ressaltou.
O advogado-geral da União afirmou
que para a lisura de um processo a defesa deve ser intimada em todos os atos e
a presidenta Dilma não foi intimada para que comparecesse à comissão especial
do impeachment até agora, o que ele considera ilegal. Ressaltou, ainda, que há,
portanto, uma clara e indiscutível ofensa ao direito constitucional da defesa.
Entre as preliminares da defesa
apresentadas por ele, o ministro citou como primeiro ponto que só existe crime
de responsabilidade se houver um atentado à lei maior, que é a Constituição
Federal. “E a Constituição não fala em violação e sim, atentado, ou ato
extremo, no caso, um ato de ruptura constitucional. Não é, portanto, qualquer
situação de desrespeito à lei que apontará crime de excepcionalidade”,
explicou.
Em outro ponto, Cardozo destacou
que a Constituição Federal deixa claro que os atos apontados como crime de
responsabilidade devem ser praticados diretamente pelo Presidente da República
e atos que não sejam atribuídos a ele, que não decorram da sua competência
direta não qualificam o impeachment. Num terceiro ponto, acentuou que para que
exista o crime de responsabilidade é necessária a tipificação legal, o que não
existe no caso em questão.
O advogado-geral também afirmou
que não podem qualificar para o impeachment atos praticados fora do exercício
das funções do Presidente da República. E que a configuração do crime exige a
ação dolosa do detentor do cargo. A peça jurídica apresentada por José Eduardo
Cardozo terminou tendo o dobro do tamanho inicialmente especulado: são 200 páginas com bastante
fundamentação técnica e explicações de ordem jurídica e política.
Cardozo disse que há
“indiscutível, notório e clamoroso desvio de poder” no recebimento do pedido do
impeachment. “Conforme fartamente noticiado pela imprensa, a decisão do presidente
(da Câmara) Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não visou à abertura do impeachment, não
era essa sua intenção, não era essa a finalidade. Sua Excelência, Eduardo
Cunha, usou da competência para fazer uma vingança e uma retaliação à chefe do
Executivo porque esta se recusara a dar garantia dos votos do PT no Conselho de
Ética a favor dele”, argumentou Cardozo. Cunha enfrenta processo por quebra de
decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa.
Sem má-fé
Cardozo encerrou a defesa da
presidenta destacando que não houve má-fé por parte da presidenta, não houve
atentado à Constituição Federal e que os procedimentos usados como argumento
para o impeachment foram adotados por vários governos – tanto governos
estaduais, como os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – e
acolhidos, anteriormente, por tribunais de contas de todo o país.
De acordo com o ministro, a
análise da denúncia mostra que se trata de uma manifestação improcedente. Ele
pediu aos deputados para lerem com cuidado a peça jurídica que apresentou
durante a sessão, porque é um documento extenso, bem elucidado e demolidor dos
argumentos apresentados pelos autores do pedido de impeachment. Afirmou, ainda,
que “o que está em jogo neste caso, a democracia do Brasil”.
“Digo aos senhores que neste
caso, por não existir fato ilícito, nem ato doloso, o processo de impeachment
equivaleria ao rasgar da Constituição de 1988. O Brasil não pode conviver com
esse tipo de ruptura constitucional”. O advogado-geral da União afirmou ainda
que não se pode confundir despesas obrigatórias e despesas discricionárias e,
sobre as pedaladas fiscais, as denúncias acolhidas pelo presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, dizem respeito a atos cometidos pela presidenta em governo
anterior.
A fala de José Eduardo Cardozo
provocou certo burburinho no corredor das comissões técnicas, com gritos de
“Não vai ter golpe” de um lado e “Impeachment já” do outro, mesmo com os
pedidos do presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), para que os
trabalhos fossem conduzidos com parcimônia. Apesar desses protestos, a defesa
foi feita de forma tranquila, com respeito por parte dos parlamentares que
integram a comissão, que embora tenham iniciado discussões horas antes,
permaneceram calados durante a fala do ministro.
A partir de agora, o relator
Jovair Arantes (PTB-GO) terá um limite de até cinco sessões da Câmara para
escrever o parecer que será votado pela Comissão especial e, em seguida, pelo
Plenário da Casa.
Para a aprovação, é necessária a
presença de, pelo menos, metade mais um dos integrantes do colegiado (composto
por 65 deputados titulares). Após passar pela Comissão, o plenário da Câmara é
quem passa a decidir se o caso vai ser julgado, ou não, pelo Senado. Nesta
fase, serão necessários votos de 342 deputados do 513 membros. Eduardo Cunha já
prevê que as discussões e votações do processo contra Dilma durem três dias na
Câmara.
Chico
Alencar
No Facebook, até o deputado Chico
Alencar (PSOL-RJ), opositor declarado do PT na Câmara Federal, reconheceu a
racionalidade dos argumentos de Cardozo. Confira o que o parlamentar publicou:
Está
explicado porque os defensores do impeachment queriam impedir que José Eduardo
Cardozo, Advogado Geral da União, viesse contestar o pedido de destituição da
presidente: ele deu uma aula magna de Constituição, de legislação sobre
impeachment, de despesas financeiras versus despesas orçamentárias e de
mudanças na jurisprudência. Calou um plenário habitualmente ruidoso.
E
indagou: “onde está o atentado à Constituição, onde está o ato doloso?” Foi
demolidor. E lembrou seu vício de origem: ato de retaliação e chantagem de
Cunha.
Em tempo:
O governo Dilma é indefensável e a ele fazemos oposição programática e de
esquerda, desde os tempos que tinha alta popularidade. Mas este pedido de impeachment,
baseado em ‘pedaladas fiscais’ e impulsionado por entidades empresariais e pela
mídia hegemônica não se sustenta; sem provas robustas de crimes de
responsabilidade e de atos de corrupção, o PSOL não apoia ato de tal peso
contra qualquer governante eleito, ainda que altamente impopular.
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