domingo, 10 de abril de 2016

Somos contra o golpe



Com uma argumentação técnica no aspecto jurídico e pontual do ponto de vista político, José Eduardo Cardozo desmonta, na Comissão do Impeachment, o discurso a favor do golpe. Confira a íntegra da defesa da AGU contra o pedido de impeachment aceito por Eduardo Cunha



 José Eduardo Cardozo na Comissão do Impeachment (divulgação)


O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, falou por quase duas horas nesta tarde de segunda-feira (4) na Comissão Especial do Impeachment, na primeira parte da apresentação da defesa da presidenta Dilma Rousseff: a que ele expõe os pontos básicos da defesa de Dilma, sem poder ser interrompido pelos parlamentares. Num dos momentos mais impactantes da peça jurídica apresentada por ele, Cardozo disse que se não houver todos os requisitos básicos apontados como primordiais pela Constituição o impeachment é, sim, um golpe (leia a íntegra da peça jurídica aqui).

“É a ruptura da Constituição Federal, a negação de um Estado de direito. Não importa se feito por meio de canhões e baionetas ou por meio do rasgar da lei. É golpe se ofende o Estado democrático de direito. É algo que jamais será perdoado em nossa história, será mal visto internacionalmente”, ressaltou.

O advogado-geral da União afirmou que para a lisura de um processo a defesa deve ser intimada em todos os atos e a presidenta Dilma não foi intimada para que comparecesse à comissão especial do impeachment até agora, o que ele considera ilegal. Ressaltou, ainda, que há, portanto, uma clara e indiscutível ofensa ao direito constitucional da defesa.

Entre as preliminares da defesa apresentadas por ele, o ministro citou como primeiro ponto que só existe crime de responsabilidade se houver um atentado à lei maior, que é a Constituição Federal. “E a Constituição não fala em violação e sim, atentado, ou ato extremo, no caso, um ato de ruptura constitucional. Não é, portanto, qualquer situação de desrespeito à lei que apontará crime de excepcionalidade”, explicou.

Em outro ponto, Cardozo destacou que a Constituição Federal deixa claro que os atos apontados como crime de responsabilidade devem ser praticados diretamente pelo Presidente da República e atos que não sejam atribuídos a ele, que não decorram da sua competência direta não qualificam o impeachment. Num terceiro ponto, acentuou que para que exista o crime de responsabilidade é necessária a tipificação legal, o que não existe no caso em questão.

O advogado-geral também afirmou que não podem qualificar para o impeachment atos praticados fora do exercício das funções do Presidente da República. E que a configuração do crime exige a ação dolosa do detentor do cargo. A peça jurídica apresentada por José Eduardo Cardozo terminou tendo o dobro do tamanho inicialmente especulado: são 200 páginas com bastante fundamentação técnica e explicações de ordem jurídica e política.

Cardozo disse que há “indiscutível, notório e clamoroso desvio de poder” no recebimento do pedido do impeachment. “Conforme fartamente noticiado pela imprensa, a decisão do presidente (da Câmara) Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não visou à abertura do impeachment, não era essa sua intenção, não era essa a finalidade. Sua Excelência, Eduardo Cunha, usou da competência para fazer uma vingança e uma retaliação à chefe do Executivo porque esta se recusara a dar garantia dos votos do PT no Conselho de Ética a favor dele”, argumentou Cardozo. Cunha enfrenta processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa.

Sem má-fé
Cardozo encerrou a defesa da presidenta destacando que não houve má-fé por parte da presidenta, não houve atentado à Constituição Federal e que os procedimentos usados como argumento para o impeachment foram adotados por vários governos – tanto governos estaduais, como os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – e acolhidos, anteriormente, por tribunais de contas de todo o país.

De acordo com o ministro, a análise da denúncia mostra que se trata de uma manifestação improcedente. Ele pediu aos deputados para lerem com cuidado a peça jurídica que apresentou durante a sessão, porque é um documento extenso, bem elucidado e demolidor dos argumentos apresentados pelos autores do pedido de impeachment. Afirmou, ainda, que “o que está em jogo neste caso, a democracia do Brasil”.

“Digo aos senhores que neste caso, por não existir fato ilícito, nem ato doloso, o processo de impeachment equivaleria ao rasgar da Constituição de 1988. O Brasil não pode conviver com esse tipo de ruptura constitucional”. O advogado-geral da União afirmou ainda que não se pode confundir despesas obrigatórias e despesas discricionárias e, sobre as pedaladas fiscais, as denúncias acolhidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dizem respeito a atos cometidos pela presidenta em governo anterior.

A fala de José Eduardo Cardozo provocou certo burburinho no corredor das comissões técnicas, com gritos de “Não vai ter golpe” de um lado e “Impeachment já” do outro, mesmo com os pedidos do presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), para que os trabalhos fossem conduzidos com parcimônia. Apesar desses protestos, a defesa foi feita de forma tranquila, com respeito por parte dos parlamentares que integram a comissão, que embora tenham iniciado discussões horas antes, permaneceram calados durante a fala do ministro.

A partir de agora, o relator Jovair Arantes (PTB-GO) terá um limite de até cinco sessões da Câmara para escrever o parecer que será votado pela Comissão especial e, em seguida, pelo Plenário da Casa.

Para a aprovação, é necessária a presença de, pelo menos, metade mais um dos integrantes do colegiado (composto por 65 deputados titulares). Após passar pela Comissão, o plenário da Câmara é quem passa a decidir se o caso vai ser julgado, ou não, pelo Senado. Nesta fase, serão necessários votos de 342 deputados do 513 membros. Eduardo Cunha já prevê que as discussões e votações do processo contra Dilma durem três dias na Câmara.

Chico Alencar
No Facebook, até o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), opositor declarado do PT na Câmara Federal, reconheceu a racionalidade dos argumentos de Cardozo. Confira o que o parlamentar publicou:

Está explicado porque os defensores do impeachment queriam impedir que José Eduardo Cardozo, Advogado Geral da União, viesse contestar o pedido de destituição da presidente: ele deu uma aula magna de Constituição, de legislação sobre impeachment, de despesas financeiras versus despesas orçamentárias e de mudanças na jurisprudência. Calou um plenário habitualmente ruidoso.
E indagou: “onde está o atentado à Constituição, onde está o ato doloso?” Foi demolidor. E lembrou seu vício de origem: ato de retaliação e chantagem de Cunha.
Em tempo: O governo Dilma é indefensável e a ele fazemos oposição programática e de esquerda, desde os tempos que tinha alta popularidade. Mas este pedido de impeachment, baseado em ‘pedaladas fiscais’ e impulsionado por entidades empresariais e pela mídia hegemônica não se sustenta; sem provas robustas de crimes de responsabilidade e de atos de corrupção, o PSOL não apoia ato de tal peso contra qualquer governante eleito, ainda que altamente impopular.

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