Estudo acusa fraudes no comércio de madeira nobre
no Pará
Troncos abandonados em floresta do município de Rurópolis, no Pará: 53%
das árvores listadas como ipê no local não foram encontradas
Saulo de
Souza/Esalq-USP
Proprietários de terras na porção
leste da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, podem estar burlando o
sistema de controle de retirada de madeira de lei – é o que dizem pesquisadores
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
(Esalq-USP), em Piracicaba, por meio de artigo publicado em 15 de agosto na
revista científica Science Advances.
“O volume de madeira declarado
nas licenças de corte foi, no geral, muito superior ao esperado para as
florestas da região”, conta o engenheiro agrônomo Pedro Brancalion, do
Departamento de Ciências Florestais da Esalq, que liderou o estudo. “A
discrepância foi ainda maior para as espécies de madeira mais valiosa e se
concentrou em planos de manejo assinados por alguns poucos engenheiros, o que
aumentou as suspeitas de fraude.” Seu grupo analisou mais de 400 inventários de
fazendas no Pará e os comparou aos levantamentos de 11 espécies de árvores a partir
de dados do Projeto Radar da Amazônia (Radam), criado na década de 1970 para
mapear recursos minerais, vegetais, ocupação e uso do solo amazônico usando
tanto radar como amostragem em solo.
Os resultados indicam que há
grandes chances de fazendeiros e engenheiros estarem declarando
árvores-fantasma, que na verdade não existem, sobretudo de espécies mais
nobres, como jatobás e ipês. A medida engordaria o limite de corte permitido
por lei, que exige que cada propriedade retenha ao menos 10% do total de árvores
com potencial de corte. A quantidade máxima de madeira que se pode extrair por
hectare de uma propriedade também é regulamentada e chega a 30 metros cúbicos
(m3). Regiões da floresta tropical onde ipês são típicos contêm, no
máximo, uma dessas árvores (equivalente a cerca de 5 m3) a cada 2
hectares. “Alguns planos de manejo declaram haver dois ipês por hectare”, diz o
biólogo Saulo de Souza, do grupo da Esalq.
Apreensões do Ibama e uma
investigação feita pela organização não governamental Greenpeace indicam que as
árvores adicionais seriam cortadas em reservas indígenas, unidades de
conservação, terras devolutas e áreas ribeirinhas, onde a extração não é
permitida. O esquema funcionaria como uma “lavagem de madeira”, que dá um selo
de legalidade ao material ilegítimo e permite sua distribuição aos grandes
centros consumidores de madeira do Brasil e do exterior. “Às vezes, uma árvore
simplesmente não existe no lugar descrito no plano de manejo”, conta Souza, que
foi a campo verificar irregularidades. “Em outros casos, o fazendeiro declara
um ipê onde há uma tanimbuca, chamada ipê-de-pobre, e na hora da venda
substitui o tronco barato por madeira rara vinda de território indígena.”
Ipês estão entre as árvores de madeira mais valiosa
na AmazôniaMark Schulze/Universidade do Estado do Oregon
O exemplo concreto sai de seis propriedades
examinadas em campo devido a grandes discrepâncias aparentes, que abrangem 671
mil hectares na região de Santarém. “Foi autorizada a extração de 2.189 m3
de ipê”, detalha Souza. “Porém, com as verificações de árvores imaginárias e
superestimativas de diâmetro, entre outras, podemos dizer que eles inflaram
esse número em pelo menos 40%, chegando até 50%.” Com base nisso, os
pesquisadores calculam que algo como 1.000 m3 de créditos de madeira
de ipê eram falsos e poderiam servir para legalizar a madeira obtida em áreas
não autorizadas.
Depois de ser cortada, transportada e processada, a
madeira de origem ilegal vai principalmente para a região Sudeste, para a
Europa e os Estados Unidos legalmente, em geral para a fabricação de pisos. A
madeira do ipê, por exemplo, chega a valer US$ 1.000 o m3. Os
pesquisadores estimam que o comércio de madeira nas propriedades estudadas
rendeu US$ 52 milhões ao longo do período estudado, entre 2012 e 2017. Isso
equivale a um volume de quase 3 milhões de m3 de madeira oriunda de
482 mil árvores.
Segundo os pesquisadores, essa prática é comum na
região e leva à degradação do ecossistema florestal, afetando seu papel na
regulação do clima e das chuvas (ver
Pesquisa FAPESP nº 226). “Em áreas de fronteira
agropecuária, no Pará, a extração seletiva de madeira antecede o desmatamento”,
diz a ecóloga Maria Isabel Escada, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), que não participou do estudo e é especialista em sensoriamento remoto
do uso do solo amazônico.
Entrevista:
Pedro Brancalion
Por não deixar rastros muito maiores do que uma
clareira, a exploração madeireira ilegal é mais difícil de rastrear por
satélites do que o desmatamento e representa uma ameaça silenciosa à
biodiversidade da floresta. De acordo com os pesquisadores, a atividade pode
desencadear incêndios e, dependendo da intensidade, modificar as condições
climáticas locais e as características e organismos da floresta. Como a
exploração é mais intensa em espécies de maior valor comercial, a atividade
pode acarretar sua extinção nas áreas em que ocorre.
Regulamentação
A lei define que os ciclos de colheita – tempo entre a primeira e segunda extração de uma árvore adulta – devem variar entre 25 e 35 anos, respeitando o tempo de recuperação da floresta. Mas a norma pode ser insuficiente, por não levar em consideração as estratégias de vida de cada espécie. “Em um ciclo de 120 anos o ipê recuperaria apenas 18% do volume colhido”, explica o engenheiro agrônomo Edson Vidal, da Esalq. “Já o jatobá recuperaria mais de 100%.”
A lei define que os ciclos de colheita – tempo entre a primeira e segunda extração de uma árvore adulta – devem variar entre 25 e 35 anos, respeitando o tempo de recuperação da floresta. Mas a norma pode ser insuficiente, por não levar em consideração as estratégias de vida de cada espécie. “Em um ciclo de 120 anos o ipê recuperaria apenas 18% do volume colhido”, explica o engenheiro agrônomo Edson Vidal, da Esalq. “Já o jatobá recuperaria mais de 100%.”
Para atacar o problema e estimular o extrativismo
sustentável, a equipe da Esalq recomenda um novo sistema eletrônico para
registrar e administrar as autorizações de exploração, disponibilizando as
informações em um portal que permita o confronto de dados e solicite uma
verificação de campo em caso de suspeita. “Também sugerimos um sistema mais
eficiente de vistorias em campo e uma moratória de madeira”, diz Souza. “A
exploração madeireira é uma atividade econômica legítima e não tem que ser
proibida, mas bem regulamentada e fiscalizada”, completa Brancalion.
Projeto
Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL), com base na ecologia de restauração de ecossistemas de referência, visando testar cientificamente os preceitos do Novo Código Florestal Brasileiro (nº 13/50718-5); Modalidade Projeto Temático; Programa Biota; Pesquisador responsável Ricardo Ribeiro Rodrigues (USP); Investimento R$ 2.650.033,32.
Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL), com base na ecologia de restauração de ecossistemas de referência, visando testar cientificamente os preceitos do Novo Código Florestal Brasileiro (nº 13/50718-5); Modalidade Projeto Temático; Programa Biota; Pesquisador responsável Ricardo Ribeiro Rodrigues (USP); Investimento R$ 2.650.033,32.
Artigo
científico
BRANCALION, P. H. S. et al. Fake legal logging in the Brazilian Amazon. Science Advances. v. 4, eaat1192. 15 ago. 2018.
BRANCALION, P. H. S. et al. Fake legal logging in the Brazilian Amazon. Science Advances. v. 4, eaat1192. 15 ago. 2018.
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