Estudo alemão vê Brasil em rota cada vez menos democrática
Pesquisadores da Fundação Bertelsmann destacam ascensão do populismo
de direita no Brasil. Relatório posiciona país ao lado da Hungria e da Índia
como exemplo negativo de democracia que vem sofrendo abalos.
A
continuidade da crise política brasileira, a polarização da sociedade, a
fragmentação partidária, a persistência dos problemas econômicos e o
radicalismo do presidente Jair Bolsonaro contribuíram para mais uma queda do
Brasil no Índice de Transformação Bertelsmann (BTI), publicado a cada dois anos
e que avalia a consolidação da democracia e da economia de mercado em países em
desenvolvimento.
A continuidade da crise política
brasileira, a polarização da sociedade, a fragmentação partidária, a persistência
dos problemas econômicos e o radicalismo do presidente Jair Bolsonaro
contribuíram para mais uma queda do Brasil no Índice de Transformação
Bertelsmann (BTI), publicado a cada dois anos e que avalia a consolidação da
democracia e da economia de mercado em países em desenvolvimento.
Os autores apontam o Brasil, ao lado da
Hungria e da Índia, como um exemplo negativo de democracia outrora estável que
vem sucumbindo ao desmantelamento do Estado de direito e das liberdades civis.
"Exemplos disso são o nacionalismo hindu na Índia, o populismo de direita
no Brasil ou o curso autoritário da Hungria, membro da União Europeia. Os
desenvolvimentos nesses países são representativos da crescente polarização
política que também está abalando as democracias consolidadas", destacam
os autores.
Segundo o ranking divulgado nesta
quarta-feira (29/04) pela Fundação Bertelsmann, da Alemanha, a nota consolidada
do Brasil no índice – que vai de 0 a 10 – retrocedeu de 7,3 para 7,2 entre 2018
e 2020. É a pior nota já concedida ao país desde o início da série, em 2006.
Em 2014, quando a crise econômica e
política ainda não havia afetado tanto o país, a nota consolidada chegou a 8,0.
Desde então, outros fatores, como o impeachment de Dilma Rousseff, a
instabilidade do governo Michel Temer, a decadência econômica e a crescente
desconfiança da população brasileira com o sistema democrático já haviam levado
o Brasil a
perder pontos em 2018.
No ranking mais recente, o Brasil acabou
ultrapassado por países como Jamaica e Argentina e ficou empatado com
Montenegro e a Macedônia do Norte. A queda só não foi maior porque outros
países que estavam antes à frente do Brasil, como a Hungria, retrocederam ainda
mais, e outras nações passaram a ser analisadas pelo índice.
A lista de 2020 inclui 137 países. A piora
levou o Brasil a cair da 22ª posição para 23ª no ranking geral.
Quando analisada apenas a saúde democrática
do país, a nota concedida ao Brasil decresceu de 7,7 em 2018 para 7,4. Em
comparação com outros países da América Latina, nesse quesito, o Brasil aparece
bem atrás de nações como Argentina (nota 8,2) e Uruguai (9,9). Em 2014, o
indicador brasileiro de democracia alcançou sua nota mais alta no índice BTI:
8,2, ocupando a 17° posicao. Desde então, só decresceu.
Destaques sobre o Brasil
A análise da situação brasileira não cobriu
boa parte do primeiro ano do governo Bolsonaro. O texto, por exemplo, deixa de
fora marcos da administração, como a aprovação da reforma da Previdência, a
queda de vários ministros, os seguidos choques com o Congresso e com o
Judiciário, o crescente isolamento internacional do país e as intermináveis
crises no interior do governo, além das ofensivas do governo contra
adversários.
Algumas expectativas, como a de que o pais
fosse voltar a um caminho sustentável de crescimento econômico, acabaram sendo
atropeladas pela pandemia de covid-19 e a dificuldade do governo em propor e
implementar reformas. O relatório ainda apontava que a nomeação de Sergio Moro
para o Ministério da Justiça em 2018 sinalizava que a questão do combate da
corrupção seria importante para o governo.
Alguns trechos também envelheceram.
"Ainda é muito cedo para julgar até que ponto Bolsonaro, como presidente,
continuará promovendo divisões na sociedade brasileira", destacaram os
autores, sinalizando que a análise só levou em conta as primeiras semanas do
governo em 2019.
Ainda assim, os autores expressam
preocupação com as tendências autoritárias que o presidente demonstrava no
início do ano passado. "Mesmo que apenas uma parte das medidas
sociopolíticas anunciadas por Bolsonaro sejam implementadas, a agenda política
do Brasil se tornará cada vez mais iliberal", destacam os autores.
"O presidente de direita Jair
Bolsonaro, que está no cargo desde janeiro de 2019, pressionou a polarização
através de sua retórica excessiva contra a ‘esquerda’, mulheres, grupos LGBT e
indígenas e afro-brasileiros. A eleição de Bolsonaro foi resultado da polarização
social e, ao mesmo tempo, a alimentou."
"Se levarmos em conta a retórica do
novo presidente Bolsonaro a sério, não há mais consenso sobre democracia como
objetivo estratégico e de longo prazo no Brasil. Bolsonaro falou a favor da
tortura, glorificou nostalgicamente a ditadura militar brasileira (1964-1985) e
causou indignação repetidamente com comentários iliberais, racistas,
anti-mulheres e anti-gays", aponta o texto.
Outros destaques
O índice também pintou um cenário nada
positivo para outros países, apontando que padrões governamentais autoritários
aumentaram continuamente na última década.
Dos 137 países examinados no índice de
2020, 63 são classificados como autocracias e 74 como democracias (54%). Em
2010, o percentual de países democráticos era de 57%.
Embora a queda no índice de democracias não
seja tão expressiva, as avaliações da qualidade da democracia, economia de
mercado e governança em todo o mundo caíram para o pior nível desde que a
pesquisa é feita. Os autores citam a garantia do poder e o clientelismo como as
causas da redução mundial da democracia, que intensificou a desigualdade
econômica e contribuiu para a divisão da sociedade.
"O nacionalismo e as políticas
clientelistas não são novidades, mas se tornaram socialmente aceitáveis em todo
o mundo", disse Brigitte Mohn, da diretoria da Fundação Bertelsmann.
"Até países antigamente pioneiros em democracia e que ficam no meio da
Europa, como Polônia e Hungria, estão agora entre os casos problemáticos em
termos de estado de Direito e qualidade da democracia", acrescentou.
A qualidade do governo caiu
significativamente em 42 países nos últimos dez anos, mesmo em países populosos
e economicamente importantes, como Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria. A
Turquia foi pela primeira vez classificada como autocracia, devido a restrições
maciças à liberdade de imprensa, desrespeito pelos direitos civis e abolição da
separação de poderes.
As liberdades de expressão e de imprensa
caíram em metade dos países examinados. Em cerca de um quinto dos países em
desenvolvimento e em transição, a qualidade da democracia diminuiu ou o nível
de repressão aumentou.
De acordo com os autores da pesquisa, um
dos motivos para a fragilização das democracias é que os atores políticos são
incapazes de resolver problemas ou se comprometer. A maioria dos governos não
têm resposta para o fato de amplos setores da população serem excluídos
econômica e socialmente. A pobreza e a desigualdade são comuns em 76 dos 137
países analisados, incluindo 46 dos 50 países africanos analisados.
Entre os 42 estados avaliados como
"muito bem" ou "bem" governados, há apenas um país
considerado como uma autocracia: Cingapura. Por outro lado, entre os 46 países
com governança fraca ou fracassada, existem apenas cinco democracias: Bósnia e
Herzegovina, Lesoto, Líbano, Nigéria e Hungria.
Mas há esperança de melhora. Entre os
exemplos positivos apontados pelo estudo está o Equador, que, segundo os
autores, superou um regime cada vez mais autoritário. Além disso, processos de
democratização estão começando em lugares inesperados, como na Armênia e na
Malásia. O estudo aponta ainda pontos positivos contra a tendência autoritária
na Etiópia, na Argélia e no Sudão.
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